Na primeira geração, a explicação que ouvi da Kia em relação ao formato do Soul foi que se tratava de uma tentativa de rivalizar com os Mini, que se estavam a dar bem em alguns Estados dos EUA. Não era uma cópia, era um rival, até com dimensões maiores, um pouco mais adaptadas aos hábitos locais.
A verdade é que a silhueta do Soul fez escola dentro da Kia e o modelo ganhou o seu espaço no mercado. Não tanto na Europa, onde o estilo parece não ter sido tão bem acolhido. Por isso, nesta terceira geração o modelo deixou de ter disponível por cá o motor a gasolina que tem nos EUA, sendo a aposta apenas no 100% elétrico e-Soul.
Esta geração foi lançada em 2018 mas só agora chega a Portugal, pois o posicionamento de preço não parecia enquadrado com o nosso mercado, na altura. Mas o mercado mudou, aumentou, na oferta e nos preços e o e-Soul poderá agora encontrar compradores.
Estilo… “original”
Não que seja propriamente barato, com um preço sem opcionais de 43 600 euros. Por comparação, um Peugeot e-2008 custa a partir de 35 570 euros, na versão menos equipada, sendo verdade que tem 136 cv, e não os 204 do e-Soul.
Ao vivo, garanto que o e-Soul tem um aspeto ainda mais “original” que nas fotos, pois as suas dimensões são maiores do que parecem com 4,2 metros de comprimento, 1,8 m de largura e, sobretudo, 1,6 m de altura, mais alto que um Sportage.
Dos faróis esguios na frente, à silhueta de quatro altas portas e chegando ao portão vertical da mala, o e-Soul não tem um centímetro quadrado de aspeto convencional. Tudo é diferente. É daqueles estilos que se amam ou se odeiam.
As jantes de 17” com pneus relativamente altos e estreitos de medida 215/55 R17 ajudam a dar-lhe o ar de SUV que agora se tornou obrigatório.
Espaço não falta
A mala tem 315 litros de capacidade, mas a chapeleira não está presa por cabos à tampa, tem que se dobrar manualmente, mas o fundo é ajustável em altura, disponibilizando um segundo compartimento por baixo.
Ao abrir as portas percebe-se que a atitude SUV está presente na altura dos assentos em relação ao solo: são altos, o que facilita a entrada e saída. Antes de me sentar no lugar do condutor, experimentei os lugares de trás.
Há bastante espaço em altura, como seria de esperar, o espaço para os joelhos é suficiente e a largura também, para dois passageiros. O do meio vai mais apertado, mas o piso nem tem um túnel grande.
A presença da bateria sob o habitáculo fez subir o piso e os passageiros de trás vão com os joelhos altos e as pernas desapoiadas.
Posição de condução “à SUV”
Na frente, o desenho dos bancos é básico, com pouco apoio lateral, mas são confortáveis. O volante está bem colocado face ao banco e tem ajustes suficientes, numa posição que é bastante “à SUV” com pernas e costas mais próximas da vertical.
Um olhar em redor, auxiliado pelo tatear dos materiais, confirma que apenas a superfície superior do tablier é de plástico macio. Todos os outros são duros, alguns com um acabamento superficial abaixo daquilo que a Kia faz em modelos mais recentes que o Soul.
A consola tem suficientes porta-objetos, com e sem tampa. No topo, o ecrã tátil é bastante simples e fácil de usar. Os comandos da climatização ficam mais abaixo, são grandes e muito intuitivos.
Modos de condução…
A transmissão de uma relação tem um comando rotativo, o que nunca é a solução mais prática, sobretudo nas manobras, pois obriga a olhar para escolher a posição certa.
Um pequeno botão ao lado, permite escolher entre os modos de condução Eco+/Eco/Normal/Sport. Todos com tempos de respostas do acelerador diferentes e o primeiro com velocidade limitada a 90 km/h, a não ser que se acelere para lá do batente.
Foi precisamente no modo Eco+ que iniciei este teste, começando pela cidade, onde um carro como o E-Soul irá viver a esmagadora maioria do tempo.
A bateria é de 64 kWh e o motor elétrico passa 204 cv e 395 Nm às rodas da frente. Em cidade, apenas uma pequena parte disso é preciso. Em Eco+ a resposta do acelerador é suave e progressiva, sem “saltos” para diante, nem nenhum “show off” elétrico.
… e modos de regeneração
Mas ainda falta perceber o sistema de regeneração para conseguir tirar o máximo partido do e-Soul. Há quatro níveis de regeneração e, portanto, de retenção quando se desacelera. O condutor pode escolher continuamente entre eles através das duas patilhas fixas ao volante.
É uma boa maneira de otimizar a regeneração, enquanto se conduz quase como se tivesse uma caixa de velocidades. Mas ainda há mais opções.
Há um modo “Auto” que regula a retenção em função do trânsito em frente ao e-Soul e que funciona muito bem. E, mantendo a patilha esquerda puxada, a retenção aumenta continuamente como se fosse um travão.
No modo de regeneração máximo, o e-Soul imobiliza-se ao fim de uma regeneração bastante intensa, que obriga a alguma habituação. O modo Auto é bom para cidade e o uso da função de travão manual também resulta muito bem. Há várias escolhas válidas.
Condução em cidade
Quando é preciso usar o pedal de travão, percebe-se que é pouco progressivo, difícil de dosear no trânsito. Quanto ao conforto, merece destaque o facto de o e-Soul ter suspensão traseira independente o que ajuda a ter um bom controlo dos movimentos da carroçaria.
Apesar dos pneus não serem baixos, a verdade é que o e-Soul é relativamente firme. Não é propriamente desconfortável, nem sobre bandas sonoras, nem sobre piso irregular, mas é firme.
Tendo em conta o peso total de 1682 kg e a altura, é normal que a Kia não tenha querido deixar a suspensão demasiado macia, para não perturbar a dinâmica. Já veremos o resultado mais à frente…
Consumo e autonomia em cidade
Quanto ao meu habitual teste de consumos em cidade, sempre com A/C desligado, obtive um valor de 10,6 kWh/100 km que é muito bom. Isso permite extrapolar uma autonomia em cidade de 603 km, mas estas contas são feitas com a capacidade bruta da bateria, não com a útil que a Kia não fornece. Subtrair uns 10% deverá resultar na autonomia real.
Antes de sair da cidade, algumas notas finais para dizer que a posição de condução alta facilita a condução no trânsito, como é lógico, mas a visibilidade para trás podia ser melhor. O raio de viragem de 10,4 metros também é uma boa ajuda, mas os botões do volante são muito pequenos.
Consumo e autonomia em autoestrada
Em autoestrada, é preferível manter a regeneração no mínimo e deixar a inércia jogar a favor do movimento do e-Soul, sempre que se desacelera ou se encontra um descida, por mais ligeira que possa parecer. Não se regenera tanto, mas percorre-se maior distância sem usar energia.
Claro que o formato e a altura da carroçaria geram alguns ruídos aerodinâmicos, além de não serem o melhor aliado dos consumos. Por isso, no meu teste de consumos em autoestrada a 120 km/h estabilizados (A/C desligado) o consumo que registei foi de 21,3 kWh/100 km.
Fazendo novamente as conta à capacidade bruta da bateria de 64 kWh, o resultado é uma autonomia de 300 km, a que se terá que descontar os mesmos 10% para a estimada capacidade útil.
Carrega até 100 kW
São autonomias mais que suficientes para um veículo essencialmente urbano, que dispensam a carga da bateria durante vários dias, dependendo da utilização, claro. Quanto ao carregamento, a bateria demora cerca de uma hora para ir de 0 a 80% num carregador rápido de 80 kW (o e-Soul carrega até 100 kW) e um pouco mais num de 50 kW.
Com 204 cv e uns generosos 395 Nm no arranque, o e-Soul é capaz de fazer a aceleração 0-100 km/h em 7,9 segundos e isso mesmo notei quando o levei para uma estrada sem trânsito, mudei para o modo Sport e acelerei a fundo.
Modo (pouco) desportivo
No modo desportivo o acelerador fica bem mais sensível e descarrega o binário com muito mais “pressa”. Talvez até um pouco em excesso, pois as rodas dianteiras facilmente começam a patinar e a exigir a intervenção do ESC.
A descarga de binário é tão violenta, quando se acelera forte, que a direção sofre algumas torções parasitas. Nas curvas mais fechadas, a roda do lado de dentro tem também tendência a começar a patinar, alertando novamente o ESC.
A pouca aderência dos pneus Nexen montados no e-Soul que guiei também contribuem para as perdas de tração, quando se quer explorar um pouco mais as prestações do motor.
A inclinação lateral nem é muita, mas a verdade é que o e-Soul não é capaz de gerar aderência suficiente para usar plenamente o binário disponível. A subviragem surge cedo e quando se tenta antecipar essa tendência, provocando a traseira para a fazer deslizar antes disso, o ESC acaba por negar essa intenção.
Binário a mais?
Curiosamente, é possível desligar o ESC, mas então passam a ser os pneus da frente a patinar, assim que se acelera um pouco mais, entrando em subviragem sem remédio.
Poucas curvas chegam para perceber que o “habitat” natural do e-Soul não é este. As prestações em linha são boas, mas as curvas são para descrever a velocidades mais comedidas, pois o equilíbrio geral não incita a fazer mais.
Na nova geração do e-Niro, a Kia já mostrou como resolver parte das questões de falta de tração deste E-Soul: desceu o binário máximo dos mesmos 395 Nm para 255 Nm, uma medida que deu bons resultados.
Conclusão
Como citadino elétrico, o e-Soul cumpre bem o seu papel, em termos de condução, habitabilidade e desempenho do sistema motriz. É para isso que foi criado. Mas também fica claro que a sua base já não é uma das mais modernas da marca, o que lhe limita outras ambições.
Francisco Mota
Kia e-Soul
Potência: 204 cv
Preço: 43 600 euros
Veredicto: 2,5 (0 a 5)
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