Saiba o que mudou, como se encaixa na oferta da marca e quais as impressões de condução, em mais um Primeiro Teste Targa 67.
Após 1,3 milhões de unidades produzidas, o monovolume Espace deu lugar ao SUV Espace, depois de na geração anterior ter passado por uma fase intermédia de “crossover” que não teve os melhores resultados comerciais.
O projeto Espace de 1983 nasceu de uma colaboração entre a Renault e a Matra, que o fazia segundo métodos diferentes da norma utilizada para a produção em grande série: usava uma estrutura interior em aço à qual eram fixados os paineis exteriores em composto de plástico.
Rei dos MPV
A proposta foi da Matra e a Renault deixou-se seduzir pelo conceito monovolume, que apostava no espaço e na versatilidade dos bancos individuais, que se podiam posicionar de diferentes formas, num piso interno perfeitamente plano.
O conceito fez escola em praticamente todas as marcas e em todos os segmentos, até que a Nissan lançou o Qashqai em 2006 e deu início à moda dos SUV, que arrasou os monovolumes. Ainda assim, o Espace resistiu até Março de 2023 como monovolume, altura em que a produção parou.
SUV: tinha que ser!
O novo Espace é um SUV, como não poderia deixar de ser, partilhando a plataforma CMF-CD com vários modelos da Aliança, mas sendo particularmente próximo do Austral. Até ao pilar central do tejadilho, são virtualmente iguais, por fora e por dentro.
Curiosamente, este novo Espace podia ter-se chamado qualquer coisa como Grand Austral, até que o novo CEO Luca De Meo entrou na empresa e decidiu reutilizar nomes antigos. Para já o Espace, em breve o Scénic…
Maior que o Austral
Face ao Austral, o Espace tem mais 7 cm de distância entre-eixos e mais 21 cm de comprimento. Isto permite-lhe oferecer mais espaço na segunda fila de bancos, que desliza em calhas longitudinais de 22 cm e é composta por um banco que rebate as costas em 40/60.
É possível encontrar um compromisso entre as posições das três filas que permite levar dois adultos na terceira fila de dois lugares. Testei essa possibilidade e posso dizer que o espaço em comprimento é razoável, mas a largura e a altura estão muito à justa, mesmo com a possibilidade de regular a inclinação das costas.
O pior é que o assento fica muito próximo do piso, obrigando os joelhos a ficar altos e as pernas desapoiadas. Serve para pequenos trajetos.
Versões de 5 e 7 lugares
Os bancos da terceira fila rebatem-se para o piso, deixando-o plano e fácil de carregar. Nesta posição, a mala leva 677 litros, contra os 159 litros que sobram quando se erguem os sete lugares.
Mais dois detalhes: sob o piso da mala há lugar para guardar o enrolador da chapeleira e a Renault não cobra a terceira fila. Há uma versão do Espace só com cinco lugares que custa o mesmo e tem 777 litros de mala.
Outros detalhes do interior são o tejadilho em vidro com mais de 1 m2 de área, que a Renault diz ter um tratamento que torna desnecessária uma cortina interior. Vou precisar de o testar em Agosto, em Portugal, para confirmar.
Este Primeiro Teste TARGA 67 foi feito nas estradas entre o Porto e Douro, local que a marca escolheu para a apresentação internacional à imprensa. Mas as nuvens estiveram do lado da Renault, neste assunto do tejadilho de vidro.
Mais pequeno que o anterior
A marca compara este novo Espace com a geração anterior, constatando que tem menos 14 cm de comprimento, mas maior comprimento total no habitáculo, o que não é o mesmo que dizer que tem mais habitabilidade. Não tem. Também é afirmado que o peso desceu 215 kg, mas 84 kg são porque, simplesmente, a nova geração é mais pequena que a anterior.
O posicionamento oficial continua a ser no segmento D-SUV, sendo o modelo mais comprido da marca com 4,72 metros, mas, tecnicamente é igual ao Austral, que a marca posiciona no segmento C-SUV.
Entre o Austral e o Espace com a mesma motorização E-Tech de 200 cv e ambos em versão de 5 lugares, há uma diferença de peso de apenas 70 kg, adicionando os 35 kg da terceira fila, chegamos aos 105 kg a mais para o Espace.
Só “full hybrid”
Para já, o Espace está disponível apenas na versão “full hybrid” E-Tech de 200 cv combinados, a motorização estreada no Austral. Usa um novo motor 1.2 turbo de três cilindros a gasolina que funciona no ciclo Miller e debita um máximo de 130 cv e 205 Nm.
A este motor está associado um motor/gerador de 25 cv e 50 Nm, que faz o arranque do motor a gasolina, função start/stop e também a sincronização dos carretos da caixa, que não usa sincronizadores. Finalmente, há um motor elétrico de tração com 70 cv e 205 Nm.
Como funciona?
O sistema pode funcionar em modo 100% elétrico, a Renault diz que em cidade, pode chegar aos 80% do tempo de condução. Funciona 100% a gasolina, em autoestrada a maiores velocidades e em dois modos híbridos.
O modo em paralelo, em que o motor a gasolina e o elétrico fornecem tração; e o modo em série, em que o motor a gasolina acciona apenas o gerador para carregar a bateria de 2 kWh (pesa 50 kg e está sob os bancos da frente) ficando o motor elétrico a mover o Espace. Tudo isto é decidido pela gestão, não pelo condutor.
O segredo está na caixa
Falta falar do elemento fulcral de todo o sistema “full hybrid” da Renault que é a caixa multimodal. Feita com base em componentes simples e pouco dispendiosos, o seu segredo está no “software” que a gere.
Tem um veio primário ligado ao motor a gasolina com quatro relações e um outro veio primário, independente do primeiro, com duas velocidades e ligado ao motor elétrico.
O veio secundário recebe força de um dos veios primários ou dos dois ao mesmo tempo, num total de combinações de mudanças que chega às 15 hipóteses.
Face à primeira geração desta caixa, que trabalha com um motor 1.6 atmosférico, esta segunda evolução foi reforçada para receber os 410 Nm de binário máximo combinado. Também foi afinada uma nova combinação para tapar um fosso que existia na primeira geração, por volta dos 120 km/h.
Multilink e 4Control
Continuando ainda na técnica, a Renault decidiu usar uma suspensão traseira “multilink”, mais pesada e mais cara que a de barra de torção, mas habilitada a suportar o peso do conjunto. Para compensar o cliente do maior custo desta arquitetura, é sempre incluído o sistema de direção às rodas traseiras 4Control Advanced. Em conjunto, representam mais 70 kg.
Conhecido de há muitos anos nos modelos da marca, esta nova geração gira as rodas de trás até 1 grau no mesmo sentido das da frente, a velocidades acima dos 50 km/h, para aumentar a estabilidade.
Abaixo dos 50 km/h, gira em sentido contrário até aos 5 graus, para aumentar a agilidade, proporcionando um diâmetro de viragem de 10,4 m (um ganho de 1,2 m) idêntico ao do Clio.
Regulável em 13 (!?) níveis
O sistema pode ser regulado pelo condutor nuns (aparentemente absurdos) 13 níveis, divididos em 3 “tendências” que vão do mínimo de rotação atrás, ao máximo.
Só depois de testar a terceira fila de bancos em meio urbano percebi o interesse desta regulação. No modo mais ágil, é fácil surgir uma sensação de náusea, devido ao movimento lateral inesperado.
Para o condutor, pode ter uma atitude sem direção atrás, ou o máximo de rotação, como preferir. Mas tem que ir à procura disso algures no infotaiment.
Luca… outra vez
Luca De Meo terá tido outra intervenção importante na definição do Espace, que foi a de dar prioridade ao conforto. Por isso o acerto da suspensão teve que obedecer a dois requisitos contraditórios: lidar com o maior peso em relação ao Austral, sobretudo com a lotação máxima a bordo, e ser mais confortável.
Neste Primeiro Teste TARGA 67 a impressão de conforto em pisos como os empedrados e asfalto pouco cuidado, revelou-se boa, apenas com alguns solavancos em pavimentos muito maus, mas os pneus montados eram 235/45 R20, também há jantes de 18”.
Como no Austral
No botão Multi Sense do volante pode escolher-se entre os modos Eco/Confort/Sport/Perso, sendo o último personalisável. Nos outros muda a assistência da direção (incluindo o 4Control), resposta do acelerador e A/C. Os amortecedores não são adaptativos.
A direção tem um tato muito assistido em qualquer dos modos e no Eco torna o acelerador francamente mais lento. No volante há duas patilhas para regular a intensidade da regeneração na desaceleração em quatro níveis, mas as diferenças não são muito grandes.
O modo Sport traz um acréscimo de vivacidade à condução que serviu para explorar um pouco o motor e o chassis. A aceleração 0-100 km/h está anunciada para os 8,8 segundos, um valor razoável. Melhor que isso é a boa resposta do grupo motriz, tanto em cidade como em estrada ou autoestrada.
Motorização com bom desempenho
Há uma boa continuidade na entrega do binário desde as rotações mais baixas às mais altas, sem que o motor alguma vez faça demasiado barulho. As passagens de caixa são sempre automáticas, o condutor não pode ter nenhuma influência na transmissão, o que o afasta um pouco da ação. Mas estamos a falar de um familiar em que a suavidade é o mais importante.
Em geral, nem se percebem as passagens de caixa, quando se notam, são feitas de forma suave e com óbvia contribuição da parte elétrica. A dinâmica em curva é bem controlada, sem exagero na inclinação lateral e com uma fluidez entre a entrada e saída que me pareceu um pouco melhor do que no Austral, talvez devido à maior distância entre-eixos.
Não tive a oportunidade de aferir os consumos, que a Renault anuncia serem de 4,6 l/100 km em circuito misto, o equivalente a 104 g CO2/Km.
Ergonomia e estratégia
A posição de condução é alta, para o segmento, mas bem enquadrada com o volante, que tem amplas regulações. O banco é confortável e o painel de instrumentos digital fácil de ler, formando um conjunto em “L” invertido com a consola central onde está o ecrã tátil com Google. Boa qualidade de materiais, sem ser fabulosa.
A Renault aposta tudo nesta versão “full hybrid” porque as vendas dos “plug-in” estão a descer na Europa, após os cortes nos incentivos. Mas talvez o aumento de zonas de circulação zero emissões nas grandes cidades da Europa ainda venha a convencer a marca a introduzir uma versão PHEV.
A versão Techno é a mais acessível e custa 45 500 euros. Comparando versões com o mesmo motor e o mesmo nível de equipamento, neste caso o Esprit Alpine, a diferença de preço para o Austral é de mais 2100 euros.
Conclusão
A Renault trouxe todas as gerações da Espace a este lançamento da sexta geração. Observando o habitáculo da primeira, com os seus bancos colocados como numa sala de cinema, percebe-se que aquele nível de modularidade é hoje impossível. O estilo ainda parece o de um módulo espacial, como no primeiro dia em que a vi em 1983. Hoje, o mercado consome SUV e é isso que a nova Espace lhe serve, sem saudosismos e muito pragmatismo.